Nunca é tarde para começar
Raul Marques raul.marques@diarioweb.com.br
No fim da tarde, Roque Castardo começa a se preparar para o grande compromisso do dia.
Veste-se alinhado, confere caderno, caneta e livros, pega o carro e dirige até a faculdade para assistir às aulas do curso de história. Sua rotina não teria nada de extraordinário, não fosse um detalhe: ele tem 81 anos.
Só agora, nessa altura da vida, o aposentado de Jales teve acesso ao ensino superior e assim realiza um sonho da juventude. Engana-se quem pensa que ele vai cumprir os três anos de graduação e pendurar, satisfeito, o diploma na sala de estar. Busca muito mais. O objetivo é se tornar professor.
A história de Castardo espelha uma nova realidade. Na última década, aumentou nove vezes o número de pessoas, com mais de 50 anos, que ingressaram no ensino superior em Rio Preto, um polo regional de educação. É o que diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2000, apenas 93 estudantes, que se enquadram nessa faixa etária, estavam matriculados em uma faculdade local. Dez anos depois, a quantidade saltou para 901. A média riopretense é maior que a nacional. No Brasil, o aumento foi de cinco vezes no período.
Para especialistas, essa transformação é motivada por três fatores: necessidade de se atualizar, possibilidade financeira de investir no próprio estudo e maior expectativa de vida na região de Rio Preto, a média é de 78 anos, enquanto que no País, 74. Nos anos de 1980, o brasileiro vivia geralmente até os 62.
Castardo trocou cedo, apenas com 17 anos, os bancos escolares pelas lides profissionais. Aprendeu o ofício de sapateiro e fez carreira, durante três décadas seguidas, em unidades prisionais de várias partes do Estado. Ensinava aos detentos a arte de criar sapatos.
Como foi bem-sucedido na profissão, priorizou a formação dos filhos, Sara e Hamilton. Os dois se tornaram advogados. O aposentado não voltou antes para a escola porque o trabalho consumia muito tempo de seu dia e morou em diversas cidades, por questões profissionais. A chance de estudar surgiu recentemente.
Terminou o ensino médio somente há três anos. Uma verdadeira conquista. Mas queria mais e começou o curso de História no Centro Universitário de Jales. “Sempre tive vontade de entrar na faculdade”. Para se atualizar, tem costume de buscar informações em jornais e livros. Adora literatura brasileira.
A idade não interfere em seu desempenho estudantil. A motivação de aprender, buscar conhecimento e descobrir novos mundos supera qualquer dificuldade. Em contrapartida, oferece aos colegas, mesmo sem querer, vivência a experiência acumulada ao longo de oito décadas.
A família retribuiu seu esforço e incentiva a empreitada. “Quando se tem vontade de fazer, tudo fica mais fácil. O estudo é um patrimônio. Ninguém pode tirar de você. A gente não sabe o que vai acontecer no futuro”. Ele não perde o humor e sempre tem um exemplo real para ilustrar seus comentários.
Maria Pilhalarme, 68 anos, também foi para a faculdade para realizar um sonho. Moradora de Nova Aliança, ela está no primeiro ano do curso de Serviço Social na Unilago. Já iniciou a graduação em outras oportunidades, mas nunca conseguiu chegar ao fim. Até por falta de apoio financeiro em casa.
Mas quer fazer diferente e atingir seu objetivo. Ela cuida da mãe, de 94 anos, e aproveita o tempo livre para se debruçar nos livros. “Eu me aposentei e sou livre. Com o dinheiro que recebo, dá para pagar a mensalidade. Estou muito feliz. Quero trabalhar na área da saúde”.
Avalia que vai bem no curso e não perde a alegria para enfrentar as dificuldades que surgem no dia a dia. Sempre falante, diz que a idade não atrapalha. “Está sendo bom. Eu me dou bem com os outros estudantes e professores. Até ganhei o relógio de uma colega”.